LIÇÃO DE UMA RENÚNCIA HUMANAMENTE IRRENUNCIÁVEL



           


           O mundo foi apanhado de surpresa com o anúncio do pedido de renúncia ao papado feito pelo Cardeal Joseph Alois Ratzinger, sua Santidade o Papa Bento XVI. A renúncia de um papa é um fato inusitado e é a primeira da era moderna, o que inevitavelmente, geram as especulações e os rumores sobre os possíveis motivos que levaram o papa a tomar uma decisão como essa.
           O texto não abordará o aspecto teológico-religioso e nem especulará os porquês da renúncia. O que queremos ressaltar são a coragem e o despojamento da vaidade e do orgulho que o papa demonstrou para renunciar um cargo de uma magnitude sócio-religiosa de tamanha envergadura, uma vez que chegar à condição de papa, torna o ser humano (e o papa Bento XVI é humano) uma celebridade, com direito às honrarias que as maiores autoridades mundiais têm direito. À figura do papa são direcionados todos os holofotes midiáticos onde quer que ele vá. Ao que um papa se propuser a dizer, são direcionados todos os microfones e a sua palavra terá grande relevância sejam quais forem os assuntos, pois do papa se espera um posicionamento sobre os grandes acontecimentos ao redor do planeta. Em se tratando do papa, milhões gostariam de ao menos uma vez na vida tocar-lhe a mão ou beijar-lhe. Para os que comungam da sua fé, o papa é o legítimo representante do Senhor aqui na terra – o Sumo Pontífice. A palavra do papa é geralmente compreendida como dogma e seguida à risca. E, convenhamos, com todas essas credenciais, qual ser humano abnegadamente abriria mão? Quem não gosta de chamar a atenção para si? Quem não quer ser tratado como celebridade? Quem não desejaria que parte dos olhos do planeta fosse voltada para si? Sabe quem? Todos nós gostaríamos. Talvez não quiséssemos ser um papa. Mas as honrarias conferidas a um papa, nós gostaríamos de tê-las. E esse desejo é tão somente por sermos humanos. Pois o ser humano traz consigo uma coisinha chamada orgulho. Que faz pulsar dentro de si o desejo de ser o primeiro, de ser notado, elogiado. Eu sei que essa pulsão é bem mais aguçada em alguns em relação a outros, todavia, em maior ou menor grau, todos nós a temos.
            E se como nós, o papa é humano, com a notícia da renúncia, fiquei a indagar sobre o que leva uma pessoa a renunciar o irrenunciável. Como abrir mão de algo que massageia profundamente o ego? E a partir de tais dúvidas, me veio pelo menos uma lição: a da honestidade consigo mesmo.
            O papa foi honesto consigo mesmo. Entendeu que para a magnitude do cargo, ele não reunia mais força (seja, física, emocional ou espiritual) para continuar. Mas em nome do orgulho, sentimento inato de cada ser humano, ele poderia pensar que não se deixaria levar pelo seu sentimento e não externaria a sua fraqueza. Poderia argumentar que sendo o cargo vitalício, dele só sairia morto. Poderia continuar para dar uma resposta aos seus críticos e poderia ainda se valer da teoria zagalliana que diz: “Vocês vão ter que me engolir.” O papa ainda poderia ficar preso ao que os outros iriam dizer. Mas o ele não pensou em nada disso. Ele abriu mão da própria honra. Preferiu descer do topo, mesmo sabendo que embaixo, “abutres” estariam prontos para devorá-lo.
          Metaforicamente, os abutres são aqueles que covarde e teimosamente insistem em ficar onde estão, mesmo que a sua permanência seja geradora de morte e não de vida; de adoecimento e não de cura; de retrocesso e não de progresso. Mas o orgulho fala mais alto e não os deixa renunciar.
         O papa renunciou o irrenunciável. Por certo, conhecemos muita gente que deveria renunciar o renunciável. Mas não renuncia. Pois o orgulho não deixa. Gerentes atrofiando suas empresas. Diretores atrofiando suas escolas e departamentos. Professores atrofiando o futuro promissor dos seus alunos. Pastores e padres atrofiando a vida dos fiéis. Mas não renunciam. O orgulho não deixa. E olha que essa renúncia seria ao renunciável.
            Então, quando vi o papa renunciar o irrenunciável, só pude compreender que ele foi muito nobre, muito grande. Pois em nome de uma causa maior, abdicou de privilégios pessoais, de vantagens. Ele reconheceu que para a grandeza da missão, existia gente mais preparada que ele. E é essa a nobreza que falta a muita gente. A de reconhecer que ela não é a única a fazer as coisas acontecerem. Pelo contrário, as coisas não acontecem exatamente por causa dela. Falta coragem para admitir que existe sempre alguém melhor que a gente. E essa coragem o papa Bento XVI teve.

Pr. André Brito.
           
           

Um comentário:

  1. Que este texto possa ser refletido e "degustado" pelos leitores do blog e que ao final muitos cresçam em nobreza, humildade e coragem.
    Que esse atitude sirva de encorajamento a muitos, que façam renúncias em prol da melhorias de muitos.

    Parabéns pela perspicácia Pr. André Brito

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