Vadinho,
nasceu em Jaguara distrito de Feira de Santana. Todos nós, seus irmãos, nascemos
naquele Distrito. Pouco tempo depois nosso pai comprou uma fazenda em Anguera e
para lá nos mudamos. A fazenda, batizada como São Braz foi na verdade um
recomeço para a família. Alí é a sede eterna de todas as nossas recordações e
princípios.
Na propriedade
familiar a nossa casa ficava ao Pé do Morro. Toda a nossa infância girava em
torno desse lugar fonte de tantas histórias e estórias... Ali ouvia-se especialmente o grito de
Vadinho ecoar no Morro. Havia sim essa identidade folclórica...
Mas como
a vida é um processo natural da evolução humana, crescemos e cada um foi
gradativamente tomando seu lugar na vida...
Vadinho, o
moleque do badogue e brigão incorrigível, transcendeu o horizonte natal e foi
conhecer outros ares, distantes do morro e de sua Anguera.
Um desses
lugares, consequência de suas andanças, foi o Paraná, Estado no qual residiu
durante seis anos, aproximadamente. No Paraná estudou e ingressou na
Aeronáutica. Precisava crescer para "ser alguém". Isto era uma meta a
ser alcançada e para isso havia se projetado nas estradas desse contexto de
tantas dificuldades...
Mas a
saudade é uma espécie de elástico que arrastamos conosco, e uma ponta desse
ficou presa sob o pé do Morro... Seu destino estava marcado e cravado em
Anguera. E voltou... Voltou para a sua Anguera. Afinal, o seu porto seguro, ali
fôra formado para a vida. Nada lhe foi fácil depois, mas coragem para o labor
jamais faltara-lhe, e cá estava ele, depois de anos de saudades.
Foi assim que depois desses longos anos de ausência Vadinho foi para a
sua querida fazenda Santa Rosa (extensão da São Braz), onde fincou a bandeira
do seu destino e constituiu sua família, construindo o castelo dos seus sonhos para honrar e
dar estabilidade ao guerreiro e aos seus entes amados. Esposa adorada e filhos
carinhosos, Martinha, Netinho e Bel, eram especialmente os amores da sua
vida.
Mas essa
mesma vida segue o Tempo, e este não faz acordo com ninguém, ele simplesmente
segue seu curso e não nos permite nenhuma pausa.
O Tempo e
a Vida são agentes da Natureza, e esta não aceita as indisciplinas e teimosias
humanas.
Diríamos
que entre os poucos defeitos de Vadinho, houve aquele que o levou de nós
estupidamente por não ter ouvido a voz dos que lhe amavam e o conselho da
natureza criadora através das reações. Foi de uma letalidade impressionante,
tanto quanto violenta a ação do maldito cigarro.
Ele amava
tanto a sua família, amigos e a própria vida, que fica difícil aceitar que um
simples ato de acender um cigarro e colocá-lo na boca o tivesse tirado de
nós...
Agora,
que fazemos dessa vida sem você, Vadinho? Como poder escutar a música
"Cidadão" que lhe emocionava e tinha tanta identidade com a sua
trajetória de vida?
Só para
fazer um trocadilho em sua homenagem e aliviar a nossa saudade: "Tá vendo
aquele Morro, moço? Eu também trabalhei lá”.
Como
irmos às vaquejadas que te transformavam numa criança cheia de felicidade sem
mais ter a certeza de ouvir o seu grito e receber o teu abraço?
Dia
triste, frio e opaco. Na tua despedida, mano, vimos o Morro à pouca
distância colocar uma venda de neve cinza meio escurecida sobre os olhos para
não ver a tua partida...
A
inconfundível voz do nosso Vadinho calou-se para sempre e o morro perdeu o eco.
O seu grito foi reduzido à saudade. O Morro está mudo, tristonho e solitário
porque perdeu sua referência e seu maior e mais presente amigo.
A cidade
do seu coração, Anguera, não pôde nem lhe abraçar para despedir-se dignamente
do seu filho. Assim, impedida por uma pandemia que assombra o nosso planeta,
disse-lhe adeus à distância...
Seu jeito
rude traduzia um amor imensurável a todos, e esse amor lhe era da mesma forma
retribuído. Vadinho era rude na casca e suave na alma... E desse modo tosco, no
seu jeito de espalhar amor, era como todos nós gostávamos de vê-lo, e o
amávamos... intensamente...
Foi-se um
pedaço da nossa família e um pouco da velha Anguera... resta-nos dentro dessa
tristeza o consolo de saber que ele fez sua viagem tranquila acompanhado pelo
amor dos filhos e de sua amada esposa.
É
verdade, perdemos um irmão, um pai insubstituível, um esposo amante e dedicado,
um verdadeiro amigo... mas o Céu de Anguera ganhou mais uma estrela. O que para
nós é saudade para o céu é alegria. Olhar para o Céu estrelado de Anguera,
agora terá mais um significado para a palavra saudade.
Seu mano Valnei
04/05/2020